Tribunal do Júri considerou Leandro
Boldrini, Graciele Ugulini e Edelvânia e Evandro Wirganovicz culpados. Cabe
recurso. Menino foi morto há cinco anos por conta de uma superdosagem de
medicação e teve o corpo enterrado em uma cova no interior de Frederico
Westphalen.
Por
Joyce Heurich, G1 RS, em Três Passos

Réus assistem à leitura do veredito do caso Bernardo — Foto: Joyce
Heurich/G1
O Conselho de
Sentença do Tribunal do Júri condenou nesta sexta-feira (15) os quatro acusados
pela morte do menino Bernardo
Uglione Boldrini, em abril de 2014. Após cerca de 50 horas de
julgamento popular, em cinco dias, a sentença foi proferida pela juíza Sucilene
Engler Werle por volta das 19h no Foro de Três
Passos, no Noroeste do Rio Grande do Sul.
Veja as penas
·
Graciele Ugulini, madrasta de Bernardo, teve a pena mais alta: 34anos
e sete meses de reclusão em regime inicialmente fechado, por homicídio quadruplamente qualificado e ocultação de cadáver. Ela não poderá recorrer em liberdade.
·
Leandro Boldrini, pai da criança, recebeu 33 anos e oito meses de
prisão por homicídio doloso quadruplamente qualificado,
ocultação de cadáver e falsidade ideológica.
·
Edelvânia Wirganovicz, amiga de Graciele, foi condenada a 23 anos
por homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver.
·
Evandro Wirganovicz, irmão de Edelvânia, pegou nove anos e seis meses em
regime semiaberto por homicídio simples e ocultação
de cadáver.
Cabe recurso (entenda
abaixo). Os quatro já estavam presos e retornariam às penitenciárias após o
julgamento.

Juíza Sucilene lê o veredito do caso Bernardo — Foto: Reprodução/TJ-RS
· Bernardo foi morto no dia 4 de abril de 2014,
e enterrado em uma cova cavada à mão.
· O menino morava com o pai, Leandro Boldrini,
e a madrasta, Graciele Ugulini.
· O corpo foi encontrado na noite de 14 de abril de 2014. Leandro, Graciele e Edelvânia Wirganovicz, amiga de Graciele, foram presos
no dia.
· A investigação apontou superdosagem do medicamento Midazolam como a causa. Os três foram indiciados.
· No dia 10 de maio de 2014, o irmão de
Edelvânia, Evandro Wirganovicz, também foi
preso.
· A polícia divulgou vídeos de brigas entre
Bernardo, Leandro e Graciele, e também conversas de familiares sobre
o crime.
· A denúncia do Ministério Público apontou que Graciele ministrou o remédio, com ajuda de
Edelvânia. Leandro foi apontado como mentor e
Evandro, como cúmplice.
· Já na condição de réus, Leandro, Graciele e Edelvânia e Evandro
foram pronunciados ao Tribunal do Júri.
Recurso
As partes podem
recorrer da decisão, porém, o recurso não poderá passar uma condenação para
absolvição e vice-versa. Para isso, seria necessário um novo julgamento
popular.
Os desembargadores,
que julgam os recursos, não podem reformar o entendimento do Tribunal do Júri,
que é soberano, mas podem modificar a pena aplicada pela juíza. Também pode
haver pedido de anulação do Júri. Se ninguém recorrer, em cinco dias a decisão
será definitiva.
O Conselho de
Sentença do Tribunal do Júri, que define se os réus são culpados ou inocentes,
é formado por sete jurados, escolhidos dentre um grupo de 25 pessoas da
comunidade já convocadas pela Justiça. No caso Bernardo, a avaliação coube a
cinco homens e duas mulheres.
A partir da decisão
dos jurados, a juíza que preside o Júri é quem aplica a pena e faz a leitura da
sentença.
O julgamento
Foram cerca de 50
horas de sessões em cinco dias exaustivos para os envolvidos no julgamento,
principalmente para testemunhas e jurados, que passaram a semana toda em um
hotel, sem comunicação e acesso a notícias.
Nos últimos dias,
houve debate entre defesa e acusação, os quatro réus foram interrogados e 11
testemunhas foram ouvidas - cinco arroladas pela acusação e sete arroladas pela
defesa de Leandro Boldrini (uma delas falou tanto pela defesa quanto pela
acusação).
Somente depois
dessas etapas, o Tribunal do Júri chegou a uma decisão.
Testemunhas:
A semana começou
com a oitiva de testemunhas. No primeiro dia, as delegadas Caroline Bamberg
Machado e Cristiane de Moura Baucks, representando a acusação, deram relatos sobre
a investigação policial da morte do menino.
Na terça-feira
(12), outras seis testemunhas foram
ouvidas. A primeira foi Juçara Marques Ribeiro Petry, que foi
vizinha de Bernardo. Ele costumava passar dias na casa dela, a quem se referia
carinhosamente como "Tia Ju". Segundo ela, a criança era
negligenciada pela família.

Testemunha Juçara presta depoimento no segundo dia de julgamento do caso
Bernardo — Foto: Reprodução/TJ-RS
A psicóloga que
tratou Bernardo, Ariane Schmitt, corroborou o depoimento de Juçara. Definiu o
pai Leandro como "pouquíssimo envolvido, tangencial, periférico, sem
vínculo, sem empatia com a criança".
Testemunha de
defesa, Lore Heller, que trabalhou na casa de Leandro enquanto ele vivia com
Odilaine, disse que Boldrini era um bom pai.
A técnica de
enfermagem Marlise Cecília Henz, que trabalhava diretamente com o pai de
Bernardo no hospital e testemunhou pela defesa, classificou Leandro como um
homem simples e Graciele uma mulher vaidosa. Marlise acrescentou que não sabia
das histórias de que Bernardo era maltratado.
As últimas três
testemunhas da defesa de Boldrini prestaram depoimento na quarta-feira (13).
Uma delas foi um perito criminal grafotécnico
aposentado contratado pelos advogados para analisar a
rubrica que aparece na receita usada para comprar o Midazolam com rubricas de
Leandro. A testemunha usou um telão para exibir imagens comparativas e defender
que a receita não teria sido assinada pelo réu.

Perito viu indícios fortíssimos de falsificação na assinatura de Leandro
em receituário de medicação — Foto: Reprodução
O Instituto Geral
de Perícias (IGP) do Rio Grande do Sul emitiu um laudo de análise inconclusiva.
Segundo o órgão do governo do estado, não era possível determinar a autoria do
traço.
Interrogatório
dos réus:
Também na
quarta-feira, a juíza deu início à fase dos interrogatórios dos réus. Boldrini
foi o primeiro a ser ouvido. Ele negou as acusações, atribuiu o assassinato do
filho a sua mulher Graciele Ugulini e a Edelvânia Wirganovicz e argumentou que
só ficou sabendo da morte de Bernardo quando foi avisado pela polícia, no
momento em que foi preso.
No dia seguinte, os
demais réus foram ouvidos. Graciele disse que a morte do enteado foi
“acidental” e que o menino teria tomado os medicamentos por conta própria. Ela
assumiu ter enterrado o corpo, por desespero, segundo ela, junto com a amiga
Edelvânia a quem teria implorado ajuda. A ré inocentou Evandro e Leandro,
dizendo que a rubrica que seria do médico na receita usada para comprar o
medicamento foi, na verdade, uma imitação feita por ela.
Edelvânia também
disse não ter envolvimento na morte de Bernardo, mas apresentou uma versão
diferente da de Graciele. Disse que a amiga teria entregado a quantidade de
medicamento ingerida por Bernardo nas mãos do menino. Na sequência, teria sido
ameaçada por Graciele para que a ajudasse a enterrar o corpo, caso contrário
sua família seria morta. Ela também inocentou o irmão e Leandro.
O réu Evandro foi o
último a ser interrogado. Ele negou todas as acusações contra ele, disse que
não participou do crime e que “não conhecia esse lado da irmã”. Alegou que
mentiu, inicialmente, em depoimento à polícia sobre ter estado nas proximidades
do local onde o corpo de Bernardo foi enterrado por medo de ser culpado pelo
homicídio do menino, mas que estava em férias, pescando.
Os outros réus não
indicaram testemunhas.
Fase
de debates:
A reta final do
julgamento começou na tarde de quinta-feira (14), quando o debate entre
acusação e defesa teve início.
O Ministério Público teve quatro
horas para defender sua tesebuscando convencer os jurados.
Durante a explanação dos promotores, foram exibidas fotos do cadáver da
criança, em um dos momentos de maior comoção do julgamento popular. O pai de
Bernardo, Leandro Boldrini, retirou-se do salão do júri.
Na sequência, foi a
vez das defesas apresentarem os contrapontos. Cada uma teve uma hora. A
primeira a se manifestar foi a de Leandro, seguida pelo advogado de Graciele,
Edelvânia e Evandro. A sessão terminou após a meia-noite e durou cerca de
quinze horas.
Na sexta-feira, último
dia de julgamento, como parte do rito, houve mais duas horas para réplica do MP
e outras duas para tréplica das defesas.
Cinco anos de espera

Outdoor colocado na entrada da cidade de Três Passos pede justiça pela
morte de Bernardo — Foto: Carolina Cattaneo/G1
Ao longo da semana,
os assuntos nas rodas de conversa pelas ruas da cidade de pouco mais de 20 mil
habitantes era sempre o mesmo. Sobraram lugares no salão do júri em algumas
sessões e o movimento em frente ao foro era predominantemente de policiais e
jornalistas. Pessoas de outros estados
também acompanharam o caso.
Em uma padaria do
lado oposto da avenida Júlio de Castilhos, onde fica o foro, a TV exibia o
julgamento do caso desde segunda-feira (11). A funcionária Veridiana Laís Kluge
diz que a clientela aumentou muito no local nos últimos dias conta disso e que
os clientes paravam ali para fazer um lanche e assistir.
Um outdoor na
entrada do município segue projetando a foto do menino ampliada com os dizeres:
“Eles te calaram… Agora nós somos a sua voz”. Em frente a casa onde Bernardo
morava, cartazes em homenagem a ele
seguem pendurados.
A denúncia
Morador de Três
Passos, Bernardo Uglione Boldrini desapareceu no dia 4 de abril de 2014. Ele
foi encontrado morto 10 dias depois, em uma cova vertical às margens de um
riacho, em Frederico Westphalen. Laudos periciais atestaram a presença de
Midazolam no estômago, rim e fígado do menino. A superdosagem do medicamento
teria sido a causa da morte da criança.
No dia do
desaparecimento de Bernardo, Graciele foi multada por excesso de velocidade na
ERS-472, em um trecho entre os municípios de Tenente Portela e Palmitinho. A
madrasta do menino trafegava a 117 km/h e seguia em direção a Frederico
Westphalen. O Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM) disse que ela estava
acompanhada de Bernardo.
Segundo a denúncia
do Ministério Público, Graciele conduziu o enteado até Frederico Westphalen. Ao
iniciar a viagem, ainda em Três Passos, ministrou-lhe, via oral, a substância
Midazolam, sob o argumento de que era preciso evitar enjoos. Em seguida, já na
cidade vizinha, Graciele encontrou a amiga Edelvânia Wirganovicz.
Ainda conforme o
MP, Graciele, com apoio moral e material de Edelvânia, aplicou em Bernardo mais
uma injeção intravenosa da substância, em quantidade suficiente para lhe causar
a morte.
A denúncia ainda
aponta que Evandro Wirganovicz foi o responsável por fazer a cova vertical,
além de limpar o entorno do local, dois dias antes da morte de Bernardo, para
facilitar o crime.
Leandro chegou a
informar a polícia sobre o desaparecimento do filho, mas a investigação da
promotoria apontou que ele já teria conhecimento que o filho estava morto e que
teria ajudado a arquitetar o crime, inclusive rubricando e carimbando a receita
do medicamento encontrado no organismo do filho.
Conforme o MP, em
um vídeo, gravado no celular de Leandro, Graciele ameaça Bernardo, dizendo: “Eu
não tenho nada a perder, Bernardo. Tu não sabe do que eu sou capaz. Eu prefiro
apodrecer na cadeia a viver nesta casa contigo incomodando”.
Bernardo morava com
o pai, a madrasta e a filha do casal, à época com cerca de um ano, em uma casa
em Três Passos.
A mãe do menino,
Odilaine, foi encontrada morta dentro da clínica do então marido anos antes, em
fevereiro de 2010. A polícia havia concluído que ela cometeu suicídio com um
revólver. Mas a defesa da mãe dela, Jussara Uglione, contestou a versão. O
inquérito foi reaberto. Concluído em março de 2016, a nova investigação não
apontou indícios de homicídio. Para a polícia, Odilaine se matou.
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